A angústia sempre esteve aqui dentro. Ainda era criança e sentia aqui dentro essa saudade de não sei o quê, vontade de ir para não sei aonde. Desde sempre. Às vezes eu corria de um lado para o outro, às vezes eu dançava o que tocasse no rádio até precisar me jogar no chão de exaustão. Aprendi a ler cedo para fugir, aprendi a fugir cedo, era uma escapista nata. Se era colocada de castigo, não me importava: eu não estava mais lá. Sempre havia uma forma de fugir, ainda que pelo sono. Abandonei coisas, cursos, moradias, o país, o destino. Abandonei sonhos quando se tornaram pesadelos. Abandonei pessoas quando ofereciam pouco tendo recebido muito. Desfiz de minhas roupas e livros, toda semana alguma coisa não cabe na mala, então não serve mais e fica para trás. Não serve, não serve! A angústia grita cada vez que o espaço está apertado demais: não serve! E carrego só o que ainda me permite correr e dançar e fugir.