quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Autoimagem

Não sei como ou quando embruteci. Conta minha mãe que eu era uma criança delicada nas maneiras e na postura, mas lembro de mim bruta e despótica, justa como a pax romana desde sempre. Eu que batia nos meninos, mas recebia cartinhas deles. Eu que chorava e brigava por causa de formigas pisadas e plantas quebradas. Eu que não brincava de qualquer coisa não. Eu que fugia de abraços e fotos em festinhas de aniversário.
Tento resgatar agora a tal delicadeza de que não me lembro.
Ou talvez... poucas vezes me machuquei, meus brinquedos sempre pareciam muito novos mesmo sendo velhos e muito usados. O que além de delicadeza explica tanta conservação? E se as crianças me sorriem na rua, de onde me vem a consciência de brutalidade? Por ter brigado, brigar e saber que continuarei brigando e, por isso, assim de bruta sou chamada? Ora, pois sim!
Que nunca a delicadeza de minha alma permita que outros me sejam brutos sem que eu venha a revidar.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Veneris iocus

Este é daqueles descabidos, que a gente ignora para ver se vão embora. Nasce de lugar nenhum e a gente sabe que não vai a lugar algum.
Este é daqueles que não têm motivos maiores do que o simples apego à beleza. Ele fica no cantinho ignorado, não nomeado até ser percebido por seu pior inimigo: e vira alvo e vira arma e vira tortura.
Este é daqueles inofensivos... mas não! Este é daqueles muito nocivos! De encher de ansiedade, de causar ataques de raiva e um ciúme frustrado por tudo que não é possível conquistar... nem mesmo pronunciar.
Este é daqueles expulsos com dificuldade e quando ele se vai, é esquecido com alívio.


"Sic uisum Veneri, cui placet imparis              
formas atque animos sub iuga aenea
saeuo mittere cum ioco."
Horácio, 1. XXXIII

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Λαβύρινθος

Quanto tempo é ainda preciso para pagar por um único erro? Todos os planos, todos os sonhos despedaçados. Minha vida continua em pedaços. Quantas trilhas ainda preciso seguir para reencontrar o grande caminho deixado para trás? Às vezes duvido de que exista volta. Às vezes sinto estar em um labirinto por onde ando, ando muito, ando até meus pés se encherem de bolhas e sangrarem, mas sempre acabo no mesmo lugar. Nesse labirinto, o erro se perdeu, o que me levou a ele também pertence somente ao passado, mas as consequências continuam... diárias, terríveis como indicadores de mil Minotauros apontados para o meu nariz.
Asas de cera, uma vez que me falta o novelo de linha. Asas de cera.


"Keiner wollte deine Tat verstehen
Deine Worte niemand hören

Schrei es in die Winde
Schrei es in die Ferne..."

Faun, Schrei es in die Winde