sexta-feira, 8 de novembro de 2013
Interrompido
Hoje abortei um sonho. Um sonho antigo que se formava no pulsar do meu coração. Ele era grande e eu ansiava pelo momento em que ele finalmente viria ao mundo. Mas não veio. Tentei segurá-lo vivo em meu peito por semanas. Sangrei uma espuminha amarelada que saía pela boca, mas tentei salvá-lo como pude. Só que ele foi se despedaçando até que eu o matei... talvez por excesso de zelo. Poucas lágrimas por um sonho abortado. Poucas lágrimas ainda.
quinta-feira, 7 de novembro de 2013
Albert
Eu já não era tão criança para entender do que ele falava quando eu o encontrei pela primeira vez. Falava muito. Falava de uma mulher jovem e esguia em uma ponte. Falava de sua própria vaidade e me olhava nos olhos de um jeito desconfiado e confiante, as sobrancelhas arqueadas e um cigarro entre os dedos.
Era terrível como um soco no estômago tudo o que me contava: seco, certeiro e, parece-me, sem emoção alguma. Mas ele falava como se lesse o que havia de mais profundo em meus pensamentos, o que estava mais escondido.
Sonhei com esse olhar por anos.
Descobri que havia alguém de quem eu nada poderia esconder e não era Deus.
segunda-feira, 4 de novembro de 2013
In dubio
Em um livro do Conan Doyle (Um estudo em vermelho), foi essa a primeira frase latina que li na vida: "Populus me sibilat, at mihi plaudo/ Ipse domi simul ac nummos contemplor in arca."* Eu tinha onze anos e não sabia que era uma citação da Sátira 1 de Horácio. Também nunca me identifiquei com o conteúdo da frase, uma vez que jamais tive dinheiro e nunca fui avara, mas achei tão bonito o idioma que anotei a citação em uma agenda com outras citações.
A segunda era mais conhecida e eu me identifiquei muito mais, mas já não me lembro onde li pela primeira vez de tantas e tantas vezes. Era a famosa frase do cônsul Júlio César: "veni, vidi, vici".**
Depois vieram os nomes de todas as constelações e a origem dos meses. E, aos onze anos, já sabia que, algum dia, estudaria toda civilização romana mais a fundo.
Esse dia não chegou há dez anos, quando precisei escolher entre alguma segurança e as paixões. E agora que preciso escolher entre as antigas paixões e as novas, entre a dificuldade de lidar com egos e a dificuldade de lidar com o desconhecido (e com uma língua cheia de glotais, verdade seja dita), já não sei mais se esse dia chegou, como acreditei há alguns poucos meses.
*O povo me vaia, mas em casa eu mesmo
me aplaudo, quando contemplo o dinheiro na arca.
**Vim, vi, venci.
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