Um dia ela me olhou bem nos olhos e cantou, desafinada: "minha papoula da Índia, minha flor da Tailândia, és o que tenho de suave e me fazes tão mal". Eu tinha 13 anos e era a primeira vez que era comparada com drogas... e eu nem sabia disso. Mas eu entendia "suave" e "mal" e isso nos bastava. O porquê era que eu não conseguia entender ainda. Ela tinha a minha idade e seu olhar parecia chumbo, carregado de dor e rancor e medo. Acabou se aproximando ao perceber que eu conseguia viver em um mundo próprio e mágico que se tornava real enquanto eu falava.
Fantasia era tudo que eu oferecia porque era tudo que eu tinha. Fantasia era tudo de que ela precisava. Na minha imaginação havia campos de margaridas onde aconteciam amores perfeitos, risos, acolhimento e segurança. Mas a imaginação era minha, a magia só acontecia comigo. Depois, o desamparo. Em casa, as críticas, o olhar raivoso da mãe, a fuga constante da presença do padrasto, a realidade. Quanto a mim... eu travava minhas próprias batalhas, mas com a vantagem de ser capaz de deixar o corpo lutando enquanto minha mente voava.
Como enfrentar a realidade, quando não se tem idade nem autonomia para mudá-la? Como viver no desamor e no medo? Amor, para ela, só existia com desconfiança e raiva, uma vez que tudo terminava no desamparo. Era assim que me amava. Era por amor a mim que ela acreditava e eu nem mesmo sabia reconhecer que era amor, mas continuava oferecendo sonho: o final era um desamparo diário.
Até que um dia, seus olhos estavam inchados quando ela abriu o portão. Por trás, o olhar sempre raivoso da mãe. Então percebi que acreditar na minha fantasia já era um problema a mais: o suave que faz mal. Mas eu não tinha mais nada a oferecer.
Ainda demorou muito tempo para meu seguro mundo imaginário desmoronar. Cada pedaço era destruído na medida em que o fantástico saía da imaginação para se tornar real. A rua, as pessoas reais, a terra, o calor e a luz do sol, o cheiro da chuva, todas as coisas belas que meus sentidos apreendem, o aqui e o agora... Quando viver passou a ser possível, a fantasia não precisou mais ficar presa na imaginação e nas palavras, então deixou de ser fuga para ser oportunidade. Já não posso oferecê-la porque já não é minha, mas sei onde encontrá-la. Será que ajuda?
Ainda demorou muito tempo para meu seguro mundo imaginário desmoronar. Cada pedaço era destruído na medida em que o fantástico saía da imaginação para se tornar real. A rua, as pessoas reais, a terra, o calor e a luz do sol, o cheiro da chuva, todas as coisas belas que meus sentidos apreendem, o aqui e o agora... Quando viver passou a ser possível, a fantasia não precisou mais ficar presa na imaginação e nas palavras, então deixou de ser fuga para ser oportunidade. Já não posso oferecê-la porque já não é minha, mas sei onde encontrá-la. Será que ajuda?