domingo, 29 de junho de 2014

Do pouco que se tem

Ora, mas não me peçam que eu me cale! Dispenso o esforço de parecer madura, segura, calma, bem resolvida. De me esticar e silenciar. Não mesmo. Mas de jeito nenhum! Minha voz me preenche toda até quando me calo. Aguda e doce, ela preenche qualquer lugar. Minha voz denuncia, liberta, faz eco. E é tão pouco! Nem toda a minha voz dá conta de tudo que eu tenho para dizer. Aqui dentro borbulha a verborragia. Sou verbalmente ocidental: são as palavras que me divertem, socorrem, defendem, agitam, colocam o mundo todo em movimento. E é tão pouco.





"Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano"
Chico Buarque, Cálice

domingo, 22 de junho de 2014

Sinto-me sozinha com frequência. Com muita frequência. Quase sempre. Talvez a solidão não seja um estado, mas a essência. Quando pessoas falam e eu já não posso ouvi-las. Quando a casa está cheia e ouço o barulho de conversa e riso. Quando vejo fotos sorridentes de lugares que eu poderia ter ido, mas ninguém me convidou. Quando ando de ônibus, metrô ou trem. Na calçada imunda. A solidão é mais do que um fato, é o dia a dia e à noite, ela engole tudo. 

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Peso

Deixo para trás porque pesa. Deixo conselhos. Deixo dúvidas. Deixo as roupas. Deixo as hierarquias. Deixo a amizade que estragou. Deixo também o amor que apodreceu. Porque pesa.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Adiante

Ora, tantos dias e noites de fuga e ainda não parece tempo suficiente! Os cães continuam farejando tão de perto que ainda é possível sentir seu hálito estranho de café apodrecido. Quem não pode respirar sou eu. Não posso suar. Não posso ter cheiro de medo. E não faço ideia de como ainda consigo fugir e me esconder. Só por ser mulher! Não é possível disfarçar o que há de mais indisfarçável. Não é só forma, é questão de exalar por todos os poros. Como não encontram então? Ou encontram e fingem que não sentiram nada. Vão embora porque não querem caçar.
Talvez a vida se deva somente aos bichos que se compadecem de nossa humanidade.
Eles se foram.
Uma longa caminhada adiante. Até muito além de onde os pés são capazes de aguentar.

terça-feira, 17 de junho de 2014

Estilhaço

Não. Na verdade... são eles que não me entendem. Ando por aí estilhaçada. Tão imperfeita e mal acabada promessa que não se cumpriu. Estilhaçada. Assim de modo que talvez não seja mais possível colar junto com todo o repertório do que eu poderia ser e não sou. Mas o que digo não é inventado. Até para ser vítima me falta o jeito e o que acontece é duvidarem de mim. Há quem se orgulhe do que sofre, mas eu não. Sinto até vergonha como se a culpa fosse minha, mas eu sei que não é.  Não é! Não é mesmo!
Sempre a mania de querer ser útil, mesmo em estilhaços e muitos já se perderam. E é pior do que se não quisesse nada. Soneto remendado. Não.  Elegia verborrágica, suja e remendada, isso sim. Mas daria para entender os fragmentos se alguém realmente tivesse vontade. 

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Do que não entendo

Tenho me perdido nas horas,  em tudo que não quero fazer, cansada de tudo que me sufoca. Fugir também tem sido sufocante, cada vez mais dentro de mim, tão longe desse mundo que não entendo. Não entendo nada, mesmo quando entendo tudo. Entendo as coisas e as situações, mas não consigo chegar nem perto do que as pessoas pensam e como elas pensam. Não entendo,  não entendo, não entendo e isso é desolador. Eu queria entender de onde vem essa alegria mentirosa que elas produzem. E por quê?
Então fecho a porta por dentro e não saio.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Porque me lembro

Por que me lembrar disso hoje e agora? Pensar nisso não traz mais dor. É como se a vida tivesse estado em suspenso desde o momento em que o deixei na rodoviária até recentemente e, no entanto, tanta coisa mudou. Eu dentro do ônibus, você fora. Foram poucas as lágrimas e cheguei a sorrir, mas vi que você chorava copiosamente como já tinha chorado antes e como me fizera chorar por tantas vezes. Você  sempre disse, antes e depois, de que nos veríamos de novo. Já eu, ah! Eu tinha certeza, ali mesmo, que nunca mais nos veríamos de novo... e era um alívio! Não que eu não quisesse vê-lo novamente, só não queria daquele jeito e tinha consciência de nada mudaria em você... não para melhor. Medroso, inseguro, dependente da aprovação da família e dos amigos e até de desconhecidos.
Lembrando agora depois de tanto tempo, foi um garotinho grande que eu, mulher feita, deixei na rodoviária. Eram olhos de um garoto desamparado pela própria crença de que eu não teria coragem de ir embora. Ninguém abandona tudo assim para desistir tão cedo! Mas eu não sou ninguém: sou toda a liberdade que você jamais poderia suportar.
Agora, agora depois de tanto tempo, já não me lamento mais por tudo que deixei para trás, nem por tê-lo deixado e nem mesmo por tê-lo amado. Isso porque percebi que a vida não se faz do consumo insensível de lugares e pessoas para vender a imagem de sucesso. A vida se faz do amor verdadeiro que se é capaz de sentir por cada pessoa com quem compartilho meu tempo. E se faz da consciência limpa, da coragem e segurança que só conhece quem não precisa da aprovação de ninguém. 

sábado, 7 de junho de 2014

...

Tantos dias tenho perdido, tudo fica solto na total falta de importância de cada um deles. Tenho consciência de que tenho me matado um pouco demais em cada um desses dias. Olho para trás e me esbofeteia o nada.

terça-feira, 3 de junho de 2014

Andrômeda na pedra

Passado que se faz tão presente. De quando em quando,  quase posso sentir sua respiração. Tão longe,  mas que nunca se afasta. É quando me sinto liberta que sinto suas correntes pararem meus movimentos. Quase invisíveis. Tão finas quanto um fio de teia de aranha. Hoje pude senti-las novamente e já não me importo que não se quebrem.  Melhor fingir que não as sinto e, um dia,  consigo me esquecer delas.

"Mesmo longe de mim,  me olha de frente."
Kamikaze,  Capital Inicial