Por que me lembrar disso hoje e agora? Pensar nisso não traz mais dor. É como se a vida tivesse estado em suspenso desde o momento em que o deixei na rodoviária até recentemente e, no entanto, tanta coisa mudou. Eu dentro do ônibus, você fora. Foram poucas as lágrimas e cheguei a sorrir, mas vi que você chorava copiosamente como já tinha chorado antes e como me fizera chorar por tantas vezes. Você sempre disse, antes e depois, de que nos veríamos de novo. Já eu, ah! Eu tinha certeza, ali mesmo, que nunca mais nos veríamos de novo... e era um alívio! Não que eu não quisesse vê-lo novamente, só não queria daquele jeito e tinha consciência de nada mudaria em você... não para melhor. Medroso, inseguro, dependente da aprovação da família e dos amigos e até de desconhecidos.
Lembrando agora depois de tanto tempo, foi um garotinho grande que eu, mulher feita, deixei na rodoviária. Eram olhos de um garoto desamparado pela própria crença de que eu não teria coragem de ir embora. Ninguém abandona tudo assim para desistir tão cedo! Mas eu não sou ninguém: sou toda a liberdade que você jamais poderia suportar.
Agora, agora depois de tanto tempo, já não me lamento mais por tudo que deixei para trás, nem por tê-lo deixado e nem mesmo por tê-lo amado. Isso porque percebi que a vida não se faz do consumo insensível de lugares e pessoas para vender a imagem de sucesso. A vida se faz do amor verdadeiro que se é capaz de sentir por cada pessoa com quem compartilho meu tempo. E se faz da consciência limpa, da coragem e segurança que só conhece quem não precisa da aprovação de ninguém.