sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Do que não se diz

Tenho me esquecido aos poucos de tudo que um dia aprendi ou quis aprender para você. Às vezes preciso de mais esforço para esquecer, quando minha boa memória me conta coisas que eu não queria mais lembrar. Outras vezes cogito lembrar, aprender mais e me aprofundar, abrir meu coração para o que há além de você e vencê-lo enfim. Penso se não foi exatamente isso que você fez: será que me venceu dentro de você ao aprender o meu idioma? Mas você não entende a minha língua - a língua que fala o meu coração - e não entenderia ainda que aprendesse todos os idiomas do mundo. A língua do meu coração reverbera por todo o meu corpo e só através dela sou capaz de me comunicar, sem mentir jamais. Sem mentir jamais. Talvez seja semelhante: de que me adiantaria aprender seu idioma, se não desejo aprender a língua que você fala? De que me adiantaria se eu me recuso a aprender a língua do jogo e do engano?

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Aqueles poemas de amor

Quanta insensibilidade presentear com poemas sem tê-los lido. As mais belas palavras tornam-se vazias, plenas apenas dos sentimentos da pessoa desconhecida que as escreveu. Já é o bastante quando o livro não é um presente, caso contrário, carece de cumplicidade e de intenção de oferecer os versos que lhe tocaram o coração. Mas sem tê-los lido, nada foi tocado, nenhuma emoção foi evocada, a conexão fica frouxa: quem lê estende a mão e agarra o nada, tudo é apenas forma e o único diálogo estabelecido é entre o estilo e a consciência de quem lê.

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Robótica

Sentada na estação de metrô, olho para frente e para os lados. Praticamente todas as pessoas olham para a tela de seus celulares, jogam ou escrevem mensagens tão  vazias que não sei se valeria a pena serem escritas... ou leem coisas assim. Mais uma vez, sinto-me alheia à minha espécie. Robótica. Não eu, mas a humanidade. Enquanto eu,  instinto e raciocínio e sensações e intensidade, luto para não sucumbir a uma vida virtual.

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Narciso necessário

Foi bonito de se ver. Aquela imagem de mulher, os cabelos caindo em ondas de um lado e presos do outro. Um dos pés na meia ponta, junto ao outro tal qual uma estátua de Vênus. Pura delicadeza no olhar e no meio sorriso solto, tão feminina, tão inesperadamente mulher. Foram poucos segundos, mas a maravilha tinha acontecido: eu estava diante dessa imagem refletida na barreira da estação de metrô. Eu estava diante de mim mesma, sozinha na multidão. Eu estava diante de uma mulher sem vínculos, mas apaixonada. Estava estava apaixonada por mim outra vez.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Um respiro feliz

Tenho declinado tantas vezes, desistido, deixado para depois, tantas vezes que já quase não percebia tudo quanto perdia. Quase falhei com outras pessoas com quem me importo e comigo mesma novamente. Bendito ato de responsabilidade e força de vontade! Uma saída forçada da inércia e está dado o passo seguro para o caminho que leva ao encontro ao único objetivo de estar aqui: viver!

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Adorno

Mais do que nunca, os dedos da solidão apertam meu pescoço e respiro com dificuldade. Sem rumo, sem importância, sem função, sem absolutamente nada que me prenda ou que precise da minha presença, existo no mundo como artigo de luxo, quando muito um adorno capaz de ser agradável, mas totalmente desnecessária à vida de quem quer que seja, até mesmo a mim. E impressiona que um ser tão desconectado sobreviva tanto. Mais uma hora, mais um dia, mais um ano. Tive a esperança de algo grave, imagino maneiras indolores de terminar. Depois busco o consolo das palavras e o abrigo nos livros, refúgio clássico de todo aquele que a solidão apanha, mas é tudo em vão. E quando eu penso que não, enquanto atuo meu papel de adorno, é que ela me abraça com força e já não posso me livrar.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Frágil

O corpo, esse malandro, está sempre mostrando o quanto sou frágil. Daqui a pouco, já passei. Mas agora, é a dor que atesta minha efemeridade assim como a vida que pulsa nas minhas veias. A vida que tem seus dias contados, não importa o quanto eu me proteja: a vida está sempre com os dias contados.
E eu que sempre me julguei tão forte, tentando passar pela vida como um ser acima do tempo, da doença e da morte, mal sei lidar com qualquer sensação de desconforto. Minha força e saúde existem na medida da minha ilusão.

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Agora

Como uma peça de quebra-cabeça encaixada à força no lugar errado: é assim que me sinto. Faz-me falta a segurança que nunca senti, talvez a certeza de que estou no caminho certo. É que talvez eu não esteja mesmo e pode ser que não dê tempo de algum dia estar. Só sei que o tempo passa rápido demais. Rápido demais. Rápido... e o futuro brilhante deixa de ser futuro e parece cada vez mais fosco. Não vale mais a pena esperar pelo futuro e culpar o passado. Só me resta sobreviver ao presente, ainda que desconsertado.