domingo, 1 de dezembro de 2013

Olheiras

Gosto especialmente de suas olheiras. Porque ninguém nunca sabe se está apenas cansada ou se acabou de sair da cama. Ao redor de olhos tão vivos, não parecem problemas, apenas convite.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Interrompido

Hoje abortei um sonho. Um sonho antigo que se formava no pulsar do meu coração. Ele era grande e eu ansiava pelo momento em que ele finalmente viria ao mundo. Mas não veio. Tentei segurá-lo vivo em meu peito por semanas. Sangrei uma espuminha amarelada que saía pela boca, mas tentei salvá-lo como pude. Só que ele foi se despedaçando até que eu o matei... talvez por excesso de zelo. Poucas lágrimas por um sonho abortado. Poucas lágrimas ainda.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Albert

Eu já não era tão criança para entender do que ele falava quando eu o encontrei pela primeira vez. Falava muito. Falava de uma mulher jovem e esguia em uma ponte. Falava de sua própria vaidade e me olhava nos olhos de um jeito desconfiado e confiante, as sobrancelhas arqueadas e um cigarro entre os dedos.
Era terrível como um soco no estômago tudo o que me contava: seco, certeiro e, parece-me, sem emoção alguma. Mas ele falava como se lesse o que havia de mais profundo em meus pensamentos, o que estava mais escondido.
Sonhei com esse olhar por anos.
Descobri que havia alguém de quem eu nada poderia esconder e não era Deus.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

In dubio

Em um livro do Conan Doyle (Um estudo em vermelho), foi essa a primeira frase latina que li na vida: "Populus me sibilat, at mihi plaudo/ Ipse domi simul ac nummos contemplor in arca."* Eu tinha onze anos e não sabia que era uma citação da Sátira 1 de Horácio. Também nunca me identifiquei com o conteúdo da frase, uma vez que jamais tive dinheiro e nunca fui avara, mas achei tão bonito o idioma que anotei a citação em uma agenda com outras citações.
A segunda era mais conhecida e eu me identifiquei muito mais, mas já não me lembro onde li pela primeira vez de tantas e tantas vezes. Era a famosa frase do cônsul Júlio César: "veni, vidi, vici".**
Depois vieram os nomes de todas as constelações e a origem dos meses. E, aos onze anos, já sabia que, algum dia, estudaria toda civilização romana mais a fundo.
Esse dia não chegou há dez anos, quando precisei escolher entre alguma segurança e as paixões. E agora que preciso escolher entre as antigas paixões e as novas, entre a dificuldade de lidar com egos e a dificuldade de lidar com o desconhecido (e com uma língua cheia de glotais, verdade seja dita), já não sei mais se esse dia chegou, como acreditei há alguns poucos meses.

*O povo me vaia, mas em casa eu mesmo me aplaudo, quando contemplo o dinheiro na arca.
**Vim, vi, venci.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Tântalo

Você continua porque acha que pode melhorar, mas não melhora. São monólogos, silêncios a dois em uma busca de encontro que apenas afasta.
Você diz tudo o que sente, tudo o que espera, tudo o que falta, mas diz isso tudo para ninguém porque não há mudanças.
Você telefona na esperança de uma aproximação... adeus.

sábado, 26 de outubro de 2013

Sublimação

     Não, eu não sinto falta de quem deixei para trás. Talvez demore para conseguir esquecer seus traços e marcas, mas nunca poderão me acusar de sentir saudades agora.
     Não sinto sua falta, mas sinto muito a falta do que eu sentia... e era tanto! Aquele desejo que me fazia decidida, destemida, capaz de enfrentar o mundo, trabalhar como nunca, estudar como se não trabalhasse, não me cansar jamais e, se fosse preciso, ainda ser capaz de passar noites em claro no ardor de tanto e tanto querer.
     É, queria sentir com a mesma intensidade outra vez. Mais do isso: nada me satisfaria mais do que, novamente, ser capaz de despertar tanto os sentidos a ponto de tocar o desespero.
       Mas talvez eu tenha me consumido. Talvez tanto querer só aconteça uma vez... e eu tenha que me contentar com o simples, o morno e o seguro.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Óbvio

"Quem quer, sempre dá um jeito."
Então está claro que a gente já não quer tanto assim. Ou bem pouco. E cada vez menos.

Passageira

Foi por causa da história em quadrinhos que ela, a moça de volumoso corpo voluptuoso, sentou-se do seu lado. Era curiosidade mútua e muda, atração compreensível pelo que se identifica e considera belo. A leitora de HQs olhou de rabo de olho por cima da edição encadernada e por baixo da franja, sentiu-se confortável com o que viu: uma filha do final dos 70 ou começo dos anos 80 que escolheu ser "alternativa". A recém- chegada também olhou a leitora furtivamente mais de uma vez antes de ligar o celular para assistir clipes musicais... pensou-se em perguntar se o quadrinho era Sandman... sim, era. À direita, pensou-se em convidar para a leitura... mas como não parecer grosseira? À esquerda, David Bowie na capa de Aladdin Sane... uma escolha ululantemente intencional. O ponto próximo e ela, como chegou, saiu. Para a leitora, era o fim de uma boa história não compartilhada.


"One day though it might as well be someday
You and I will rise up all the way
All because of what you are
The Prettiest Star"
David Bowie, The Prettiest Star

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Boa noite, aparência.

     Boa noite, aparência. Os anos de boicote foram uma idiotice, para que apressar o que o tempo já faz tão bem e de graça? Mas eu tinha tanto medo e tanta vontade de ser verdadeiramente percebida que não via outra solução senão sufocá-la. E eu sufocava.
    Sufocava com esquisitice, palavrório, descuido, filosofia barata, religiosidade, literatura e história. Tudo em vão porque eu, por mais que me esforçasse, não era enxergada para além do que viam. Seus favores, eu preferia rejeitar e não me lembro como me convenci de que aceitá-los seria indigno. Bobagem!
     Agora que, lentamente como os grandes impérios, começa a declinar, sinto-me desamparada: é tudo que eu tenho de unicamente meu. E depois, o que eu faço?
     Boa noite, aparência... e, por favor, fique um pouco mais. 
     

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Autoimagem

Não sei como ou quando embruteci. Conta minha mãe que eu era uma criança delicada nas maneiras e na postura, mas lembro de mim bruta e despótica, justa como a pax romana desde sempre. Eu que batia nos meninos, mas recebia cartinhas deles. Eu que chorava e brigava por causa de formigas pisadas e plantas quebradas. Eu que não brincava de qualquer coisa não. Eu que fugia de abraços e fotos em festinhas de aniversário.
Tento resgatar agora a tal delicadeza de que não me lembro.
Ou talvez... poucas vezes me machuquei, meus brinquedos sempre pareciam muito novos mesmo sendo velhos e muito usados. O que além de delicadeza explica tanta conservação? E se as crianças me sorriem na rua, de onde me vem a consciência de brutalidade? Por ter brigado, brigar e saber que continuarei brigando e, por isso, assim de bruta sou chamada? Ora, pois sim!
Que nunca a delicadeza de minha alma permita que outros me sejam brutos sem que eu venha a revidar.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Veneris iocus

Este é daqueles descabidos, que a gente ignora para ver se vão embora. Nasce de lugar nenhum e a gente sabe que não vai a lugar algum.
Este é daqueles que não têm motivos maiores do que o simples apego à beleza. Ele fica no cantinho ignorado, não nomeado até ser percebido por seu pior inimigo: e vira alvo e vira arma e vira tortura.
Este é daqueles inofensivos... mas não! Este é daqueles muito nocivos! De encher de ansiedade, de causar ataques de raiva e um ciúme frustrado por tudo que não é possível conquistar... nem mesmo pronunciar.
Este é daqueles expulsos com dificuldade e quando ele se vai, é esquecido com alívio.


"Sic uisum Veneri, cui placet imparis              
formas atque animos sub iuga aenea
saeuo mittere cum ioco."
Horácio, 1. XXXIII

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Λαβύρινθος

Quanto tempo é ainda preciso para pagar por um único erro? Todos os planos, todos os sonhos despedaçados. Minha vida continua em pedaços. Quantas trilhas ainda preciso seguir para reencontrar o grande caminho deixado para trás? Às vezes duvido de que exista volta. Às vezes sinto estar em um labirinto por onde ando, ando muito, ando até meus pés se encherem de bolhas e sangrarem, mas sempre acabo no mesmo lugar. Nesse labirinto, o erro se perdeu, o que me levou a ele também pertence somente ao passado, mas as consequências continuam... diárias, terríveis como indicadores de mil Minotauros apontados para o meu nariz.
Asas de cera, uma vez que me falta o novelo de linha. Asas de cera.


"Keiner wollte deine Tat verstehen
Deine Worte niemand hören

Schrei es in die Winde
Schrei es in die Ferne..."

Faun, Schrei es in die Winde 

sábado, 31 de agosto de 2013

Expressão

Falo, falo, falo. Discuto, canto, grito, choro, esbarro em coisas, ronca minha barriga de fome, também ela faz barulho na digestão. Sou toda barulho. Toda voz e expressão. Até minha escrita é barulhenta, ainda que sempre em caixa baixa. Barulhenta, barulhenta.
Mas ele, quase sempre calado, ouve.
Quando desabafo e peço conselhos: silêncio. Eu me irrito. Ele, silêncio. Chego a duvidar do que sente e se sente. Procuro no olhar e mesmo seus olhos me dão a mesma resposta... muda.
Mas, quieto como um panda, ele responde sem palavras. É o almoço, a pipoca, o suco, o chá, o cuidado quando desmonto. É Bem-te-vi caído do ninho. São observações das estrelas. É roupa com cheiro de vinagre. É preocupação tão paterna com as gatas e são os gatinhos que duas delas confiaram nele para ajudar colocar no mundo.
Eu, que já ouvi tanta mentira, deveria ver o tamanho da minha injustiça: talvez tanta doçura não seja mesmo para se expressar com palavras.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Tarde demais, longe demais

Já ouvi tudo isso e mais de uma vez. Muitas outras antes de mim também. Outras tantas comigo. E já me convenci algumas vezes no passado. Mas não mais, não mais. Talvez tivesse que estar mais empenhado para parecer convincente, porque nem sou tão tonta quanto pareço... mas já fui. Quando tudo o que se encontra é ruína, só resta mesmo chutar as pedras.

domingo, 11 de agosto de 2013

Do que não fizemos

     Não gosto de datas comemorativas porque são comerciais, incentivos para as compras e nada mais. Mas é muito difícil fugir de seus apelos afetivos e sempre lembramos daqueles que se foram e como se foram. Algumas partidas são aceitáveis, resignamo-nos e entendemos que não havia o que pudesse ser feito. É mais fácil aceitar o que parece inevitável, maior e mais forte que a vontade humana. Difícil é aceitar escolhas e entendê-las. Talvez eu nunca entenda. Talvez eu nunca aceite.
      Talvez eu entenda. Mas acho que nunca vou aceitar. Simplesmente porque fechamos os olhos para um sofrimento mudo. Mas existe um sofrimento tão mudo a ponto de passar tão desapercebido? Se não ouvimos, por que não olhamos com atenção?
     É que não é aceitável. Quantas coisas que eu disse. Quantas coisas que eu deveria ter dito e não disse. Agora não adianta dizer qualquer coisa: ossos não ouvem, ossos não leem. E quantas vezes me impacientei? Quantas vezes me revoltei? Qual foi o valor que nós demos? Todos nós. Não entendemos seus pontos de vista, não entendemos sua geração. E ignoramos sua dor.
     E o que cada um de nós aprendeu com seus exemplos? O que cada um de nós aprendeu com sua partida? O que fizemos para que quisesse partir? O que resta é tudo que não fizemos para que ficasse. 

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Bobinha... só que não!

Quando algo me incomoda, sempre tenho razão. Aquele sentimento estranho, que parece cutucar e eu tento afastar, mas fica ali sinalizando que algo está errado e somente um enorme medo de estar sendo injusta me faz querer acreditar que tudo isso não passa de bobagem. Talvez bobagem seja não confiar na minha própria sensibilidade.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Sem rédeas

Disseram-me que sou como uma égua xucra. Respondi que sou pior: a mim, ninguém me doma.

domingo, 21 de julho de 2013

Fonte seca

Nunca fiz dívidas por medo de cobranças. Digo logo o que posso ou quero por medo de cobranças. Tenho sido presente para que não me cobrem. Mas há sempre alguém para cobrar mais do que eu ofereço (e eu ofereço tanto), há sempre alguém para cobrar mais do que posso dar. Sempre.

sábado, 6 de julho de 2013

Coleção

     Meu tio tem uma grande coleção de livros. Sempre a teve, ela sempre cresce e eu sempre a cobicei com esses meus olhos gulosos de palavras e histórias. Hoje até tenho uma coleção mais ou menos do mesmo tamanho, mas a vontade de ter mais e mais títulos e ter lido e poder ler mais e mais é sempre maior do que meu próprio tempo e capacidade de ler e o espaço das maiores bibliotecas do mundo. Como se estivesse em uma biblioteca, fico olhando para todos eles e eles olham para mim... sei que eles olham.
     Quase todos os livros de literatura dessa coleção nunca foram lidos por quem quer que seja: eles ainda estão embalados. E os que foram lidos, fui eu que li. E é uma sensação muito estranha essa de desembalar um livro comprado há dez anos e nem meu é! E é doloroso olhar para eles assim embaladinhos, só preenchendo espaço na estante... Minha avó tem sete filhos vivos e somente o dono desses livros é solteiro e não tem filhos: todos os outros têm entre dois e três... eu sempre fui meio afastada, a chatinha, e só há pouco tempo me reaproximei um pouco e... lá estão os livros. Como pode ser que ninguém os tenha lido durante todo esse tempo? Umas 30 pessoas e os livros embalados. Tantas horas de trabalho, tantas palavras, tanto papel, tantos estilos, tantas histórias... tudo embalado, tudo congelado, tudo semente esperando pela leitura de alguém para poder germinar. Tudo moribundo.
     Aos poucos, entre meus próprios livros, os livros da biblioteca, os quadrinhos, textos avulsos e artigos, vou desembalando e lendo esses livros. Eles olham para mim esperando pelo meu sopro vital. Mas e depois que eu ler todos, o que será deles? O que será de cada obra? Voltará a ficar suspensa? Morrerá novamente quando eu terminar de ler a última linha?
     E meus próprios livros? Além de mim, quem os lê?
     Então é por isso que gosto tanto de biblioteca: é o único lugar em que os livros não morrem.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Pequenos jogos cruéis

     São pequenas armadilhas que se plantam conscientemente. Antigamente, fazia sem pensar, agora não. Talvez não fosse necessário, todos deixam escapar seu lado podre em pequenas atitudes quase imperceptíveis... mas eu percebo... e guardo. O que não observo, pressinto e coloco a pedra incerta em que todos pisam... e caem.
     No centro de tudo está o ego. Há egos explosivos e egos manipuladores. Meu ego tem passado de um para o outro, ou talvez esteja em uma classificação pior. Há egos que se acreditam imbatíveis e acima de qualquer suspeita. Pois há tempos que suspeito primeiro desses. Algo de reconhecimento talvez. Mas o que me assusta mesmo são todos aqueles que não esboçam sentimentos, como se fosse tudo ensaiado por atores ruins. Mesmo assim, continuo observando tudo e guardo segredos que ninguém me contou... também os que me foram contados. Guardo tudo para o próximo jogo que pode ser distante, mas eu sei que acontecerá. Nenhum ser humano resiste a um jogo, ainda que cruel.

Insubstituível

    Sou uma chata, chatíssima, cheia de maniazinhas mesmo. Algumas delas, irritantes. Por que não? Quem não tem as suas? Algumas delas, até muito próprias. Já outras, acho estranho que nem todos façam questão delas. Por exemplo, tenho mania de dar uma importância toda especial para cada pessoa que fez parte da minha vida. Cada pessoa é única, para o bem ou para o mal... única! E fico muito triste quando eu sou buscada em outras pessoas. Mas também fico incomodada quando percebo que alguém busca em mim características de outras pessoas, fico inconformadíssima quando percebo que alguém se aproxima de mim por ter características de outras pessoas. Porque a gente não pode substituir as pessoas, pode? Não e tentar é um desrespeito a quem se foi e a cada pessoa a quem a gente julga capaz de substituir seja lá quem for. A vida da gente não é uma empresa onde pessoas são candidatas a cargos e precisam ter tais e tais características. Talvez eu leve isso a sério demais, a ponto de não querer fazer os mesmos passeios que meu namorado fez com as ex. Não sei, não as conheço, tenho até ciúme muitas vezes, mas eu as respeito e não gostaria de reviver o que, no fundo, pertence a elas. Não quero me impor sobre as lembranças delas, nem misturá-las. O meu espaço é só meu: não caibo no espaço vago de ninguém e ninguém cabe no meu.

sábado, 22 de junho de 2013

Olhando para trás

     Um mundo entre velhinhas. Velhos são seus corpos, velhos são seus sonhos. Seriam as dores novas ou sempre estiveram lá? Aquele olhar brilhante e vazio de quem me perdeu no tempo. A procura de um bebê, uma mudança de casa, o cafezal, o fumo de rolo... e nada disso existe mais. O que existe é ritual terapêutico. As pernas que falham. A pele fininha. Desesperança. Às vezes me esqueço de que são frágeis, de que já não podem fazer o que eu posso. Ela não admite a perda de controle sobre as filhas e as situações, aos poucos, sobre si. Todas tão frágeis, tão frágeis, tão frágeis. Eram mais vigorosas do que eu sou hoje... como posso me esquecer tantas vezes de que são frágeis? Por que todos se  esquecem? Tenho sono e não consigo dormir na angústia de minha adolescência prolongada, mas elas dormem. Ou dormiam: uma delas é acordada por uma filha sem noção que resolve fazer uma visita depois das 23 horas! Quando ouço o barulho da porta, eu me assusto, pois tenho medo de uma fuga para o passado, mas a pseudofugitiva, essa sim, dorme ainda. Fico com raiva dessa visita! Por que ninguém percebe? Por que ninguém percebe antes que seja tarde? O que percebo agora é como tenho sido egoísta também.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Boa aluna

Alguém com o teto de vidro me ensinou a atirar pedras. Péssima ideia!

sábado, 15 de junho de 2013

Νίκη


Sempre quis escrever. Quando criança, escrevia pequenas histórias, que não sei como se perderam. Quando adolescente, poesias de rima pobre. Durante anos levei uma história adiante e, um dia, eu a abandonei. Mas eu amava a minha heroína. Ela era o que eu queria ser e não sabia que sempre fui. Ela amava e andava no reino dos mortos e lutava e dançava e aprendia com cada amante. E eu não sabia que sua história era a de Oyá. Eu não sabia que sua história era mais do que minha. Eu quis viver a vida dela e ela, a minha. Então ela cresceu, tomou conta de tudo, quase só existia a vida dela. E foi aí que a matei com uma pequena série de textos. Mas deuses não morrem para vagar somente no reino dos mortos: ela continua amando, dançando, lutando e aprendendo através de mim.



quinta-feira, 13 de junho de 2013

Defeito

     A boneca mais bonita parece quase saída de um filme pornográfico com seu rosto de inocente malícia natural. Só que mais linda, porque verdadeira. Talvez uma dessas personagens de Jorge Amado. Toda uma anatomia para o amor, como se existisse disso e somente para isso.
     Só que não. Por que uma boneca tão perfeita tem que ter sentimentos? Sentir, acreditar e sonhar não são para objetos.

terça-feira, 11 de junho de 2013

Ah me deixa!

     Tenho 29 anos. Não tenho mestrado, não tenho casa, não tenho marido, não tenho filhx(s), não tenho emprego fixo. Tenho um monte de cabelos brancos, uma olheira simpática, um monte de histórias e aventuras, um catálogo de erros, lágrimas que encheriam um lago e um sorriso lindo. Um sorriso lindíssimo. Também tenho uma pergunta: para que essa corrida contra o tempo? A gente corre para onde? Não sei. Também não sei se deveria estar tão desesperada para saber.
     A vida já tão curta! E a gente perdendo tempo tentando se enquadrar.

domingo, 9 de junho de 2013

Que se aprende

     Não adianta tentar reviver o que passou, nem ficar se protegendo com medo de se machucar. O amor não precisa ser como dos filmes, talvez o verdadeiro não seja mesmo nem parecido com os amores cinematográficos. Amor é sentimento que se aprende e se aprimora na convivência. Para mim, amor é sentir tranquilidade quando encostar a cabeça no ombro ou no peito de alguém para quem a palavra "parceiro" faça sentido. É quando contamos moedas juntos e fazemos planos. É quando realmente faço parte desses planos. É quando um e outro se sentem seguros juntos.

sábado, 8 de junho de 2013

Enfrentando os fatos

     E aí que não tenho conseguido me concentrar em nada útil... procuro me distrair há meses, nada muda. Não me distraio e também não produzo. Vontade de chorar dia e noite. Dia e noite. Leituras feitas às pressas, aulas que frequento, mas não ouço. E quando as ministro, sinto-me um autômato: "wie geht's DIR? Dativo... o caso do benefício, de quem RECEBE a ação." Recebe a ação... Talvez as pessoas também sejam regidas por um determinado caso. Sinto que o meu é o nominativo: "de qualquer forma quem volta sozinho para casa sou eu"...
     Então me dou conta de que estou enfrentando o retorno de Saturno.
    Passei um tempo mais perdida que João e Maria na floresta, mal sabia meu nome, mas parecia melhor. As pessoas me dizem "tenta não pensar, faz outras coisas, bola para frente" e não é o que tenho feito até agora? Será que alguma dessas pessoas sabe como é ter que recomeçar do zero com todas as suas desvantagens? O culto à juventude, o desprezo por quem escolhe seguir o coração, a desconfiança carregada por todo aquele que errou sem máscaras. Se é que é um erro acreditar e apostar em sentimento, se é que é um erro desistir de alguma coisa que está sempre lá para segurar a cauda de um cometa... No fundo, o erro é de quem não sabe valorizar a coragem de gente como eu.
     Como se não bastasse a desconfiança dos ilustres desconhecidos, há a cobrança da família. Ou vice-versa. Falam-me de concurso, de banco, de parar de estudar e ganhar dinheiro. Como se fosse assim: você acorda, decide que vai ganhar dinheiro e plim! Tudo acontece como em um desenho animado. Eu gostaria muito que fosse assim, mas não é.
     Eu aguentei o quanto pude, até admiro minha própria força! Mas agora estou acabada, estatelada como um ovo frito. Talvez eu devesse ter me permitido chegar ao fundo do poço antes, uma vez que o luto é necessário para sentir que a morte é real e não ter mesmo outra alternativa além do recomeço.
Eu só queria sentir que as pessoas se importam comigo também agora e não só quando eu pareço forte o suficiente para oferecer segurança e apoio quando elas precisam.

*Ouvindo "Piano Bar", versão original: Julio Iglesias me dava razão.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Estações do ano

Talvez seja mesmo assim:
Quando faz frio ou chove, lá está a minha lembrança quente como o abraço materno.
Mas quando o sol brilha, é como se eu, assim como abraços maternos, nunca tivesse existido.